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Foto do escritorKátia Boroni

A Falcoaria Peruana por Alexandre Crisci Pessoa

Atualizado: 22 de out. de 2020


A Falcoaria Peruana

por Alexandre Crisci Pessoa


No ano de 2007, decidi viajar até a costa do Peru com o objetivo de adquirir mais conhecimentos sobre falcoaria. No início de janeiro daquele mesmo ano desembarquei em Lima onde já me esperava o experiente falcoeiro Denis Cisneros Alcazar, proprietário do Zoocriadero El Aleto, combinamos que eu faria um curso de altanaria com falcões peregrinos ao qual eu iria me submeter por dois meses, porém passado este período criamos laços de amizade e uma forte paixão em comum, a falcoaria. E isto fez com que eu estendesse minha estadia naquele país por um ano e sou muito grato a Denis e sua família que tão bem me acolheram. Evidentemente, por conta disto, pude adquirir uma experiência incrível onde pude viver intensamente a falcoaria dia após dia sob todos os aspectos, logo venho compartilhar com vocês leitores do “Diário de Falcoaria” um pouco desta minha vivência.

Assim que cheguei já me deparei com dois falcões peregrinos esperando pelo início do amansamento, um macho de Falco peregrinus cassini e uma fêmea de F. p. tundrius aos quais eu prontamente começaria a treiná-los. Entretanto a fêmea que eu houvera batizado com o nome de Cremolada se destacava e eu mal sabia que naquele momento aquela maravilhosa ave ficaria marcada para sempre no meu coração, com ela creio que desfrutei os mais belos lances deste esporte. Cremolada atingiu um ápice em seu treinamento espetacular, voava bem musculada e lograva grande sucesso em suas caçadas, com ela pude capturar meu primeiro pato em altanaria, mas também não hesitava em mergulhar com toda sua fúria contra presas se, não tão nobres, faziam-se respeitar devido às suas dimensões e força tais como garças, gaivotas e téu-téus , como também as mais rápidas amargosas (Zenaida sp).

Certo dia, em um daqueles fatídicos dias que a falcoaria nos reserva, Cremolada se perdeu, estávamos buscando patos numa região de restinga quando resolveu investir contra um bando de gaivotas que a avistaram e levantaram voo, mesmo com nossos intensos chamados sua mente apenas estava estimulada àquele tentador bando que voava em grupos e em círculos, ainda sim motivados pela esperança continuávamos a chamá-la incessantemente e nada de resposta até que Cremolada se perdeu de nossas vistas. Ela já havia se perdido outra vez, quando uma fêmea de falcão peregrino da subespécie cassini a atacou durante um treinamento e as duas voaram em luta para longe numa só direção, recuperamos a nossa querida depois de alguns dias o que fez nos encher de esperança em recuperá-la outra vez, mas infelizmente o tempo foi passando até que tivemos que nos conformar com o adeus de Cremolada.

Cremolada era um orgulho para mim, Denis Cisneros havia muito me elogiado com o trabalho que realizei com ela, mas a verdade é que ela era uma ave tão especial e com tanto “sangue em seus olhos” que facilitou demais o que era de minha incumbência, Cremolada era apelidada por aqueles que a viam voar de “La Bestia”. Entretanto, apesar do carinho que tínhamos por Cremolada, havia muitos outros indivíduos que voávamos, tive a oportunidade de treinar e voar uma dezena de peregrinos em altanaria durante o ano, obviamente nem todos ficaram aptos para caça, mas pude notar as diferenças da capacidade dos indivíduos passageiros para os cativos como também dos tundrius para os cassinis peruanos. Considerando os passageiros entre cassini e tundrius, indivíduos deste último apresentavam maior propensão à fuga e maior potencial para atingir alturas mais elevadas, também um leque de possíveis presas mais amplo, ao passo que atacavam sem discriminação presas maiores e , quanto aos cativos, tais diferenças eram minimizadas.

Porém, não poderia deixar de citar as outras espécies que tive o prazer de manejar como alguns gaviões-asa-de-telha, em especial um macho apelidado de Gunter de desempenho incrível, além de quiri-quiris, bicolores e até dois falcões-de-peito-laranja fêmeas. Esta última espécie pude treinar até a introdução de escapes, não houve tempo de desempenhar a caça com estes dois indivíduos, ainda sim foi um privilégio e deu para ter uma dimensão do potencial da espécie para falcoaria. Pela quantidade de aves citadas, creio que pude deixar uma ideia do que eu disse no primeiro parágrafo em viver intensamente a falcoaria.


Entre os treinos, as saídas ao campo e a socialização dentro da comunidade de falcoeiros peruanos, pude compreender o desenvolvimento da falcoaria naquele país. Conheci falcoeiros mais antigos como o próprio tio de Denis que o introduziu na arte da falcoaria (infelizmente não me lembro de seu nome) juntamente com Lucho Bertocchi que também foi seu mestre e era parceiro de Oscar Beingolea que se tornou conhecido para alguns falcoeiros brasileiros por haver treinado os primeiros exemplares de Falco deiroleucus em falcoaria. A seguir, Denis e sua geração tiveram grande importância para a falcoaria peruana e sul-americana, juntamente com seus parceiros de caça e apoio de José Antonio Otero que ao disponibilizar infraestrutura, conseguiram reproduzir, provavelmente, os primeiros falcões-de-coleira da América do Sul. Isto impulsionou a criação de um dos maiores centros de reprodução de aves de rapina em todo mundo, o Zoocriadero El Huayco de propriedade de José Antonio Otero, ao qual tive o privilégio de conhecer e fiquei impressionado não só com as dimensões do criadouro, mas também com o sucesso reprodutivo de espécies incríveis como condores-andinos, águias-florestais (Spizaetus sp), dentre outras. Outro destaque desta geração foi José Luis Gagliardi que promoveu a falcoaria peruana ao resto do mundo com publicações muito bem feitas onde se pôde notar as singularidades dos campos de caça presentes no país, e a adequação das espécies de aves de rapina sul-americanas para caça em tais áreas.

Para falar novamente de presas além dos patos, téu-téus (Burhinus superciliaris) e columbiformes, haviam muitos passeriformes como, por exemplo, os dos gêneros Mimus, Sturnella, Troglodites, Volatinia e as aves do gênero Rallidae, por curiosidade vale também citar a massiva presença de anus-pretos (Chrotophaga sulcirostris). A principal ave utilizada para caça destas espécies sem duvida nenhuma era o gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus), preferida dos falcoeiros mais experientes até aos iniciantes pela facilidade de aquisição, sucesso reprodutivo e adaptação para o voo na acidentada e semi-urbanizada costa peruana.

Como disse anteriormente, voamos muitos peregrinos e era sempre um desafio quando os elevávamos nas alturas cerca de grandes morros e áreas urbanizadas, isto fazia com que uma vez ou outra os perdíamos e nos davam muito trabalho para recuperá-los. Quando os voávamos em áreas onde haviam columbiformes e passeriformes que se escondiam assiduamente entre a baixa vegetação em voos rápidos e curtos, forçadamente fazia o falcão-peregrino baixar sua altura tornando mais curto o seu mergulho contra as presas a fim de lograr maior êxito e, quando os voávamos em áreas para caçar os patos, onde adquirir maior altitude é mais interessante, os falcões poderiam apresentar o comportamento indesejado de não subir muito quando viciados nos passeriformes e columbiformes dos outros campos. Tínhamos que ter muita temperança no treinamento para que se tornassem versáteis e assim respondessem satisfatoriamente ao nosso objetivo.


Alexandre Crisci Pessoa à direita,

e o falcoeiro Peruano Denis Cisneros Alcazar no centro.

Infelizmente não pude presenciar a caça na região serrana do país aonde os falcoeiros vão à caça de uma espécie de perdiz (Nothoprocta ornata), Denis me contou que fez algumas expedições para caçar nesta região onde se utilizava gaviões-asa-de-telha e falcões-de-coleira (Falco femoralis pichinchae), além de ter capturado um exemplar quando trabalhava no controle de avifauna em um aeroporto do norte do país. Denis me explicou que alguns falcoeiros tinham dificuldades de voar tais espécies por conta da baixa densidade relativa do ar nesta região e a menor concentração de oxigênio, mas que sim era perfeitamente possível.


Em memória de  Armando Alcazar Dorador, tio de Denis Cisneros,  um dos seus mestres na Falcoaria.

Em memória de Armando Alcazar Dorador,

tio de Denis Cisneros, um dos seus mestres na Falcoaria.

Na minha despedida ainda fui presenteado com dois gaviões do criadouro, mas naquele momento a importação de aves para o Brasil estava suspensa, diferente de hoje, e é impressionante constatar o crescimento da falcoaria aqui no Brasil desde aquela época. Não faz muito tempo estávamos num grupo de internet sobre falcoaria no portal Yahoo onde sonhávamos com reprodução comercial de aves no Brasil e importação, atualmente temos criadores muito bem estabelecidos que reproduzem aves há anos e aves importadas das mais diversas espécies chegam anualmente. Se fosse hoje em dia talvez eu nem pensasse em viajar diante do que se tornou a falcoaria nacional, mas a preciosidade das experiências e amigos que fiz é imensurável, regressei ao meu país deixando muito do meu coração no Peru e aos amigos que lá fiz. Em meu aprendizado fui influenciado por grandes profissionais, mas exponho minha eterna gratidão a Denis Cisneros e Ronivon Viana da Silva. Estes tenho o privilégio em chamá-los de mestres


Alexandre Crisci Pessoa é Biólogo, mora em São Paulo e atualmente está prestando assessoria no serviço de controle de pombos através da falcoaria.

Contato: alexandre.crisci@gmail.com

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