Recebendo uma ave nova, e agora?
Muitos iniciantes na falcoaria tem dúvidas sobre como são os primeiros dias com sua recém chegada ave de rapina. Inseguranças, dúvidas, medo, todos estes sentimentos são comuns, especialmente quando é a sua primeira ave. Há muitos métodos e técnicas de treinamento, que podemos ler nos livros de falcoaria ou nos diários de treinamento em vários sites da internet. Eu queria um relato de um falcoeiro experiente para nos contar um pouco da sua experiência com sua nova ave, sem pretensões de ensinar ou de que esta forma seja a mais adequada ou correta. Tarcízio Gonçalves Neto é quem irá nos relatar o seu dia a dia com sua parabuteo Surya, recém chegada do criadouro Fukui. O objetivo principal é que leigos entendam como é necessário estudo e muita técnica e paciência para treinar uma ave de rapina, e que a compra da ave deve ser sempre o último passo e nunca o primeiro.
Agradeço ao Tarcízio pela sua participação no site, e boa leitura a todos!!
Abraços,
Kátia;
A história de Surya. Parte I
Por Tarcízio Gonçalves Neto
Iniciando...
Aqui começamos uma longa e intrincada jornada de falcoaria, com a chegada de uma nova ave a ser amansada e treinada, um Parabuteo unicinctus oriundo do criadouro Fukui. Vou contar para vocês um pouco dos primeiros meses de treinamento, do amansamento ao voo livre, para que vocês tenham uma ideia da responsabilidade e da dedicação que uma ave de rapina exige do seu falcoeiro. Boa leitura a todos!
A escolha do nome
Eu estava em busca de um nome forte e marcante para minha nova ave. Pesquisando encontrei o nome Surya, que é o nome da divindade Hindú do sol e achei que era a escolha perfeita. Afinal, ela trouxe luz novamente à minha casa, exatamente como os Indianos dizem.
SURYA significa sol, é o fogo que aquece e ilumina, mas que também cega e queima. Dá a vida e destrói. Da fusão entre o oceano e o sol surgiu a vida. DEWI significa Lua, é a água que esfria e acalma, traz consigo a evolução natural e a solução dos problemas causados pelo fogo.
A compra da ave
Criadouro Fukui é o mais conceituado criadouro de Parabuteo unicinctus do Brasil. Para adquirir um exemplar dessa espécie você tinha que lhe enviar um email solicitando interesse na compra assim que abrisse disponibilidade de aves à venda, mas em outubro de 2015 o sistema mudou, quando começou a ser feita uma lista de reserva de mais ou menos 3 meses da ave estar formada.
Seguindo o novo protocolo de vendas do criadouro foi feita a reserva dia 1º de outubro, onde a ave só ficaria completamente formada e seria entregue na segunda quinzena de janeiro de 2016.
Nos últimos dias da ultima semana de janeiro fui receber a ave no aeroporto de Ribeirão Preto, voltei para casa e chegando muito tarde da noite resolvi não tirar a ave da caixa-transporte deixando para fazer na manhã do dia seguinte. Mal dormi de ansiedade, e já no primeiro raiar do sol estava no quarto escuro me preparando para tirá-la, passar as correias de atrelamento e ver a magnitude de uma ave topo da cadeia alimentar.
O Primeiro contato: tensão no ar!
Pois bem, meu caro leitor iniciante na arte da falcoaria, você deve estar aí se perguntando: mas como retirar uma ave parental (criada pelos pais) extremamente brava, arisca, sem treino e manejo algum da caixa-transporte?
Primeiro de tudo devo dizer que para você iniciante o ideal seria ter algum ajudante nessa hora, pois a ave irá se debater com todas suas forças e vai lhe cravar suas garras assim que tiver a chance.
Eu estava sozinho e me isolei em um quarto fechado, com o menos possível de móveis, e já deixei preparado do lado um capuz, jesses e um destorcedor. Depois cobri a caixa de transporte com um pano, acendi uma vela e a deixei em um lugar que fizesse o menos de claridade possível, e só então retirei o lacre da porta da caixa, apaguei a luz elétrica e fui pegar a ave.
O gavião dentro do escuro total da caixa de transporte fica sem reação, e com movimentos lentos fui sentindo ela lá dentro até encontrar suas patas. Ao encontrá-las, com a palma da mão voltada para o peito dela eu a segurei travando suas pernas entre os dedos e rapidamente a virei com as garras pra cima. Não deu nem tempo dela se debater muito e já a puxei para fora da caixa, a coloquei no meu colo e já joguei um pano na cabeça, depois terminei de ajeitar ela e logo em seguida coloquei o capuz. Como no meu caso a ave já veio com os braceletes do criadouro, então foi só passar os jesses e colocar o destorcedor. Com tudo feito, a ave com o capuz já foi capaz de ficar em pé na luva, apertando-a fortemente.
Atenção!
Pessoal, nem sempre o óbvio é tão obvio assim por isso nunca abram a caixa de transporte em local aberto. Há muitos casos de aspirantes a falcoeiros que abrem as caixas de transporte no aeroporto, para checar se a ave está bem, ou na varanda externa de suas casas, e ela simplesmente voa e vai embora. Você não vai querer perder a sua ave, certo? Então entre em um quarto fechado, como um banheiro, antes de abrir a caixa e retirar a sua ave de dentro dela. Procure ajuda de alguém, se for um falcoeiro experiente melhor ainda, senão um familiar ou amigo já resolve. Lembre-se de que o rapinante parental estará agressivo estressado pela mudança do ambiente, então tenha calma e cuidado.
Neste momento é ideal verificar a ave e ver se há algum machucado ou penas danificadas. Surya tinha apenas um pequeno machucado na cera, nada grave, e suas penas estavam intactas. Pesei a ave e marcou exatos 800 gramas, uma ave de porte médio.
Fui colocá-la no poleiro, e o procedimento é: você afasta a luva pros tarsos da ave encostarem no poleiro, e vai empurrando para trás para ela desiquilibrar e jogar a pata pra trás e agarrar no poleiro. Assim que consegui e ela ficou no poleiro, eu atrelei ela e apaguei novamente a luz para só depois retirar o capuz, e depois me afastei.
Ao enxergar o quarto onde estava, a ave ficou desorientada, estranhando o novo local e querendo voar e sair do poleiro. Foram inúmeras debatidas ao meu menor movimento. Não ofereci alimento neste dia, pois ela estava estressada demais para comer.
No dia seguinte a ave parecia mais calma, mas dormiu no chão, não havia “descoberto” o poleiro ainda. Ofereci uma codorna no fim deste segundo dia, mas ela ainda não demostrou interesse em comer, foi comer só no terceiro dia e depois disso se mostrou mais relaxada e então comecei o processo de amansamento.
Esta fase exige muita paciência e tempo de dedicação do falcoeiro, pois ele precisa ficar com a ave o máximo possível no punho, e na primeira tentativa a ave não irá parar na luva, estará sempre se jogando e “preferindo” ficar dependurada de ponta cabeça do que ficar na luva. Se ela se debater e ficar dependurada, com muito cuidado e com a ajuda da outra mão você pode ajuda-la a ficar em pé na luva. Ainda assim ela irá se jogar várias vezes, (essa é a hora da paciência). Neste primeiro aprendizado tente não olhar diretamente para ela (o que deverá ser sempre evitado no início), pois o olhar direto a deixa ainda mais assustada.
Assim que ela se manter na luva e saber voltar para a luva depois de uma debatida, é hora de “pracear” a ave, isso mesmo, levar a ave para um passeio na praça. Leve uns picadinhos de carne para tentar oferecer no bico da ave, isso a deixará mais tranquila. Ofereça uma picadinha de carne quando sentir que ela está mais tranquila e faça isso sem olhar diretamente e se prepare, pois na primeira vez ela poderá tentar fugir com o pedaço de carne no bico. Em poucos dias ela estará consideravelmente mansa e pronta para ir para o próximo passo: o salto ao punho.
Imagens dos próximos capítulos:
Vou ficar por aqui, mas em breve eu volto para contar
um pouco mais sobre a Surya.
Abraços,
Tarcízio Golçalves Neto
Colocando a ave no poleiro
Primeiro salto ao punho
Voo ao punho 3 metros